Crise Institucional e o Retrocesso Ambiental: uma história recente do Brasil

Há décadas a comunidade científica alerta para os riscos de a temperatura global média ultrapassar 2°C daquela observada no período pré-industrial. No entanto, o que de fato se observa é uma distância cada vez maior entre o conhecimento científico, de um lado, e a capacidade das autoridades globais de impor medidas de mitigação climática, de outro.

No último mês, a Europa foi assolada por ondas de calor que deixou consequências nefastas: elevação da mortalidade da população idosa, queda na produção, panes no sistema eletro-nuclear, secas, e etc. No Twitter, o cientista Michael Mann do Centro de Ciências do Sistema Terrestre da Universidade Estadual da Pensilvânia, anunciou: “o que chamamos de onda de calor hoje, chamaremos simplesmente de verão se não reduzirmos as emissões de carbono”. Apesar de existirem causas naturais de aquecimento terrestre, não há dúvidas de que o aquecimento global foi também responsável pelo verão atípico no hemisfério norte.

Apesar de o aquecimento global ser uma realidade inevitável e sentida (literalmente!) na pele, muitas iniciativas para mitiga-lo são observadas ao redor do mundo. Em níveis de cooperação e diplomacia internacional, a mais recente destas iniciativas se deu no âmbito do chamado Acordo de Paris (COP21), em 2015. Neste encontro 195 países se comprometeram a reduzir suas emissões de gases do efeito estufa a fim de evitar o aquecimento global em +2°C acima dos níveis pré-industriais (Não custa lembrar que, ao lado de Nicarágua e Síria, os EUA não assinaram os termos do acordo).

O Brasil, fazendo seu papel, se comprometeu a reduzir seu nível de emissões de carbono em 37% até 2025, comparado ao nível de emissões de 2005. Apesar de ser um país de baixa renda per capita (88° no ranking de acordo com o Banco Mundial) e com uma matriz energética “limpa” se comparada à média mundial, o país é o 7o maior emissor de gases do efeito estufa. De acordo com os dados da SEEG, a maior parte desses gases (51%) é oriunda da chamada Mudança de Uso da Terra. Deste, a maior parcela corresponde ao desmatamento da vegetação nativa para fins de produção agropecuária, sobretudo na floresta Amazônica. Apesar de indicar um problema grave do país (e do mundo, diga-se de passagem) este número poderia ser pior. Graças à implementação de uma série de medidas de controle adotadas ao longo dos anos 2000[1], tendo destaque o chamado Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, o país reduziu significativamente seu nível de emissões, sendo, inclusive, reconhecido internacionalmente pelo sucesso de suas políticas. De acordo com dados do próprio governo, o total de emissões foi reduzido em 54% entre 2005 e 2010, como pode ser observado no Gráfico 1, abaixo:

 

Figura 1 – Desmatamento Amazônia Legal segundo o Prodes (Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal).

Fonte: INPE/MCTI. E projeção de atingimento da meta da Política Nacional sobre Mudanças do Clima – PNMC. Elaboração DPCD/MMA

De uns tempos pra cá, contudo, este cenário infelizmente já não é o mesmo. Desde 2012, quando se aprovou o chamado Novo Código Florestal, observou-se um aumento do desmatamento no país, sobretudo em áreas de reserva florestal amazônica. De fato, os dados da SEEG indicam um crescimento de 35% das emissões provenientes do Uso da Terra entre 2012 e 2016. No cenário de turbulência política e deterioração da integridade institucional do país vivenciado após o impeachment da presidente Dilma, este cenário tornou-se ainda mais tenebroso, fazendo das metas acordadas em Paris um desafio cada vez mais irrealista. Somente entre 2015 e 2016 o crescimento das emissões derivados do desmatamento foi de aproximadamente 23%.

Como alertado em estudo recente na revista científica “Nature”, o atual governo tomou diversas medidas para flexibilizar a legislação ambiental brasileira, em troca de apoio político da chamada bancada ruralista. A fim de evitar acusações de corrupção e não ter seu mandato comprometido, o presidente Golpista propôs medidas provisórias e decretos presidenciais, que: a) reduziram requerimentos de licença ambiental, b) suspenderam a ratificação de terras indígenas, c) reduziram as áreas de preservação da Amazônia, e d) flexibilizaram a regularização fundiária, removendo grande parte das exigências ambientais. Estima-se que as áreas desprotegidas por essa última medida equivalem a duas vezes o tamanho do Pará.

O estudo indica, ainda, possíveis cenários de desmatamento em acordo com o tipo de governança que poderíamos adotar. Enquanto o cenário de governança mais ativa (SEG) indica maior capacidade de se alcançar as metas estabelecidas em Paris, o cenário de baixa governança (WEG) revela o alto custo para se alcançar um nível de emissões compatível com aquele desejado no acordo. Levando-se em consideração os preços do carbono atualmente utilizados na literatura, o custo efetivo de se alcançar as metas de paris torna-se quase duas vezes maior se comparado ao cenário de maior controle ambiental. Em termos monetários o custo do maior desmatamento chega a U$ 5.2 trilhões.

Com a sinalização para o aumento das emissões oriundas do desmatamento, o governo não apenas dificulta o alcance de suas metas de mitigação, mas deteriora a capacidade produtiva dos demais setores econômicos, tornando mais custoso seu esforço no combate ao aquecimento global. Isto é, se mantivermos os retrocessos na área ambiental, os setores produtivos, incluindo o setor energético, teriam que compensar o aumento de emissões provenientes do desmatamento, para cumprir nossas metas de emissão.

Observa-se, portanto, que o cenário de fragilização da governança no país, não apenas prejudica a retomada do crescimento econômico brasileiro, como também reduz os compromissos de sustentabilidade do Brasil.

Considerando que o crescimento de nossas emissões é inversamente proporcional à manutenção da maior floresta tropical do mundo, que abriga cerca de 10% da biodiversidade do planeta, este problema é ainda mais grave. É necessário compreender, portanto, que além de prejudicar futuras gerações a flexibilização da legislação ambiental brasileira eleva os custos da mitigação climática do país, deixando um fardo ainda mais pesado para o país no futuro.

[1] Ver reportagem da BBC sobre o assunto.

Rafael Cattan é doutorando em Ciências Econômicas na Unicamp.
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