Educação profissional como alternativa para elevação do capital humano

A elevação dos níveis de escolarização formal e de qualificação da população é decisiva para o progresso tecnológico, a competitividade e o crescimento sustentável. O aumento do nível de escolaridade implica elevação da produtividade, contribuindo para o crescimento econômico por meio da elevação dos salários e diminuição da pobreza. Estamos vivendo profundas mudanças em escala, alcance e complexidade dos processos produtivos, impulsionadas pela incorporação cada vez mais acelerada das tecnologias ao trabalho. Tais mudanças exigem, além do aumento da escolaridade da população, a disponibilidade de capital humano com novas competências.

Acelerar o ritmo da elevação da escolaridade da população no Brasil passa, necessariamente, pelo aumento da velocidade na redução do número de jovens fora da escola e das taxas de abandono, evasão e reprovação no ensino médio. A Fundação Ayrton Senna, com o apoio de outros parceiros[1], realizou um profundo estudo sobre as causas do abandono e evasão e apontaram propostas para a permanência dos jovens na escola, o que denominaram de “engajamento juvenil”. Segundo o estudo, houve estabilidade, em torno de 22%, entre os jovens de 15 a 17 anos fora da escola nos últimos 15 anos, o que representa, no entanto, 1,5 milhão de jovens. Para além disso, cerca de 8% dos alunos matriculados não concluem o ano letivo, correspondendo a um contingente adicional de 0,7 milhão fora das salas de aula. Considerando ainda as taxas de reprovação, 2,8 milhões de jovens de 15 a 17 anos não terminam o ano letivo. Segundo o mesmo estudo, ao se considerar a velocidade no aumento da frequência escolar desse grupo etário, que foi de 0,1p.p ao ano na última década, o Brasil levaria mais de 200 anos para universalizar o atendimento no ensino médio.

Compondo o espectro de múltiplos fatores, externos e internos ao sistema escolar brasileiro associados ao fenômeno do engajamento juvenil , o conflito entre as necessidades dos jovens e a escola vem sendo apontado como um dos determinante das insatisfações dos alunos,  resultando, no Espírito Santo, em taxas de frequência no ensino médio em torno de 65,7% e de conclusão em apenas 52%[2]. Assim, tanto a atratividade da escola, associada à percepção de qualidade e importância para vida, quanto a necessidade de trabalhar são fatores motivadores ou desmotivadores do engajamento juvenil.

O descompasso entre a aprendizagem e as competências exigidas pelo setor produtivo, com maior intensidade pela indústria, vai aumentar com a chegada da Indústria 4.0, que mudará a forma como trabalhamos e produzimos. Tal ambiente, diferentemente de momentos históricos anteriores dominados pela lógica da indústria tradicional, exige o desenvolvimento de novas competências para viver e trabalhar no século 21. Em oposição a este novo modo de fazer e trabalhar, a escola permanece organizada como nas antigas formas de trabalho industrial. Aproximar a escola do mundo do trabalho é essencial para o enfrentamento dos desafios que a indústria do futuro impõe.

Para tanto, são necessárias novas abordagens no sistema educacional e políticas públicas específicas. Um exemplo importante de iniciativa pública para adequação da escola ao mundo do trabalho foi a mudança na estrutura do ensino médio com a promulgação da Lei do Ensino Médio Brasileiro[3], que estabeleceu a flexibilização do currículo escolar, possibilitando aos alunos construírem seu percurso de aprendizagem, escolhendo as áreas de conhecimento que têm interesse. Cinco grandes trilhas, ou ‘itinerários formativos’, serão oferecidos e contemplam 4 áreas de conhecimento que podem ser conjugadas com o ensino técnico e profissionalizante. O itinerário V, referente à formação técnica e profissional, prevê a inclusão da experiência prática como parte diversificada da aprendizagem.

A formação profissional, no Brasil (11% dos estudantes do ensino médio) e no Espírito Santo (19,35%), é relativamente reduzida frente à média dos países desenvolvidos (50,47%). O programa de aprendizagem profissional, instituído pela  Lei 10.097/2000, é a política nacional para aproximar os jovens estudantes do mundo do trabalho. Entretanto, apesar de apresentar características semelhantes aos modelos encontrados em países europeus, no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia – por ser regulada por lei e estabelecer um contrato ou acordo formal firmado entre o empregador e o aprendiz -, não produz o efeito esperado no número de aprendizes no total da força de trabalho. Enquanto nesses países as taxas de participação de aprendizes empregados no mercado de trabalho varia entre 3,0 e 4,0%[4] , no Brasil esse percentual alcança apenas 0,8%[5]. No Espírito Santo, esta participação atinge 1% da força de trabalho formal, chegando a 1,2% no setor industrial, segundo a RAIS (2016).

Hoje no Brasil, a inserção dos egressos da educação profissional na força de trabalho é de apenas 10%. A dificuldade de direcionar a formação profissional de jovens aprendizes para as reais necessidades do setor produtivo é um dos fatores que afeta a eficiência dessa política pública. Mesmo que a contratação de aprendizes pelas empresas seja compulsória e estabelecida por lei[6], as competências desenvolvidas nas escolas de educação profissional podem não estar sendo compatíveis, ou não apresentando a qualidade necessária ao trabalho disponível.

Associada ao provável descolamento entre a formação e as reais necessidades das empresas, outros motivos de ineficiência estão relacionados ao marco regulatório do programa, como sua duração de no máximo dois anos e os limites de idade dos aprendizes, fixada entre 14 e 24 anos. Para aqueles que finalizam o programa antes de completarem 18 anos, não há possibilidade de inserção nas áreas de produção da indústria, conforme Decreto 6.481/2008.

Em adição, o prazo de duração de apenas dois anos dos contratos de aprendizagem profissional reduz as possibilidades de implementar programas de ensino mais profundos, complexos e aderentes aos requisitos de formação do novo Ensino Médio. As restrições de tempo também impactam negativamente os sistemas duais de formação, que buscam conjugar teoria à aprendizagem prática dentro das empresas e afeta a aplicação do itinerário formativo V.

Garantir a elevação da proporção da matrícula na educação profissional, expandir o itinerário V, aproximando a escola do mundo do trabalho e promover reformas na lei de aprendizagem profissional são ações que podem trazer, em médio prazo, transformações positivas no perfil do capital humano disponível no Espírito Santo.

[1]  “Políticas públicas para redução do abandono e evasão escolar de jovens” elaborado pelos institutos Ayrton Senna, Unibanco, Brava e Insper (2017).

[2] Segundo a PNAD, em 2017.

[3] Lei nº 13.415/2017

[4] 4,0% – Austrália), 3,9% – Alemanha e 3,0% – Canadá

[5] Levantamento do Departamento Nacional do Senai, com base na RAIS 2011.

[6]Todas as empresas de médio e grande portes, de qualquer segmento econômico, estão obrigadas a empregar e matricular aprendizes nos cursos de aprendizagem dos Serviços Nacionais de Aprendizagem, numa proporção de 5% a 15% do total de seus trabalhadores, cujas funções demandem formação profissional.

Aline Elisa Cota d’Ávila  é economista, mestre em gestão e avaliação de políticas públicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
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