Quando tratamos sobre ambiente de negócios, muitas vezes queremos nos referir ao contexto no qual serão realizados os investimentos. E este contexto impacta e é impactado pelas expectativas dos agentes que estão inseridos no tal “ambiente de negócios”. Quando um empresário decide se realiza ou não um investimento, ou quando um investidor internacional decide ou não por aplicar seu capital no Brasil, algumas premissas, entretanto, já parecem pré-estabelecidas para estes agentes, e podem ser conclusivas para que a decisão se consolide. O empresário pode não decidir por investir em determinado estado cujo orçamento esteja engessado e comprometido com gastos obrigatórios, enquanto que o investidor internacional pode não aplicar seus recursos a depender do grau de endividamento público daquele país.

Em artigo recente publicado no Valor Econômico, André Lara Resende polemiza sobre a formação de consensos e contrassensos entre os agentes econômicos dentro do ambiente macroeconômico (neste caso, o brasileiro). O autor propõe que desde a crise econômica de 2009, observa-se uma tendência mundial de revisão de alguns paradigmas tradicionalmente aceitos dentro do pensamento macroeconômico. Este movimento, por sua vez, implicaria na revisão de alguns preceitos para a formulação de políticas econômicas. A publicação de um dos pais do Plano Real é intrigante não apenas por jogar luz a um debate que há anos ocorre nos EUA – tanto na academia quanto nas decisões políticas. Evidencia um aspecto pouco debatido aqui no Brasil: a influência de convenções nas políticas econômicas adotadas e o seu consequente impacto sobre todo o conjunto da economia. O que pretendo neste artigo é comentar alguns aspectos sobre a formação das convenções e como se relacionam com os instrumentos de política que podem (ou não) serem adotados.

Mas o que seriam essas tais convenções? Uma definição formal possível é de que convenções são (sistemas de) regras de comportamento e/ou de pensamento socialmente compartilhadas, com duas especificidades[1]. A primeira delas é que um indivíduo seguirá essa regra porque acredita que os outros indivíduos de um mesmo grupo agirão/pensarão desta maneira. A segunda é que essa regra (ou conjunto de regras) não é claramente superior a qualquer outra existente ou concebível.

Um exemplo muito interessante, e que pode tornar mais clara a ideia sobre convenções, é o trazido por Paul David no seu artigo “Clio and the economics of QWERTY”, de 1985. Nele, o autor reproduz a história do padrão atual dos teclados de computadores, notebook, tablets, celulares, etc, que leva o nome das 6 primeiras letras do canto superior esquerdo da maioria – senão de todos – os teclados. O que chama a atenção nesta história é que muitos outros padrões foram desenvolvidos, e que inclusive eram comprovadamente mais eficientes do ponto de vista da mecânica da digitação, sem que obtivessem o sucesso dos teclados QWERTY. O que se formou em torno da utilização deste padrão foi uma convenção tecnológica.

Por mais que uma convenção se forme a partir de um “acidente histórico”, como o próprio Paul David ressalta sobre a dificuldade de encontrar a origem desta convenção, a sua aceitação social conta com algumas especificidades, e que podem ajudar a explicar a sua prevalência. No caso do padrão dos teclados QWERTY, uma das justificativas dada pelo autor é a geração de retornos crescentes de escala na padronização dos teclados. Ou seja, o bem-estar global aumenta sempre que uma plataforma nova se apropria deste padrão (já que é o qual todos nos acostumamos), enquanto que novos hardwares que usem esta plataforma terão maior aceitação do público – e, portanto, serão mais vendidos – se usarem tal padrão.

Um outro exemplo interessante sobre convenções é o pensamento dos agentes no mercado financeiro. Os modelos mais tradicionais sobre a variação dos preços das ações partem da premissa estatística de que seguirão uma distribuição normal. Esta premissa é embasada na ideia de que, no longo prazo, oscilações positivas e negativas decorrentes do movimento especulativo se compensam, e a tendência do preço de determinada ação é determinada por fundamentos reais. André Orléan, economista francês da denominada escola convencionalista, apresenta em seu livro “O Império do Valor”, que esta premissa é, no mínimo, questionável. Segundo o autor, se de fato fosse observada uma distribuição normal da variação do preço das ações, crises só ocorreriam a cada 10 anos – o que sabemos que não é verdade. Uma possível explicação que o autor dá para essa convenção é a crença pela maioria de que existam agentes mais bem informados, e que essa convenção seria mais legítima.

E quando o tema é um padrão de política econômica? Haveria algum tipo de relação entre convenções e a adoção de algum tipo de política econômica? Retomemos ao texto de Lara Resende sobre consensos e contrassensos na macroeconômica política. O autor argumenta que desde meados da década de 1970, quando a macroeconomia keynesiana deixou de ser o pensamento dominante para dar lugar ao monetarismo, observa-se um novo paradigma de política econômica. Tal paradigma seria embasado na ideia de que a política mais eficiente para compensar períodos de recessão econômica seria a monetária, uma vez que esta seria eficiente no curto prazo para aquecer a demanda agregada.

A grande pergunta que se permite a partir de seu artigo é: essa política seria de fato a mais eficiente ou seria uma convenção global na política macroeconômica? Os exemplos recentes do Quantative Easing, conforme o próprio autor destaca, mostram que a emissão monetária teve efeito irrisório na tentativa das grandes potências econômicas de se recuperarem da crise de 2009. Por outro lado, a política fiscal do governo Obama, bem como a dos países da União Europeia, provou-se com maior capacidade de reativar o famigerado circuito gasto-renda da economia.

Alguns fatores se destacam como possíveis explicações para a prevalência desta convenção sobre a política monetária. Uma delas é a legitimidade epistêmica da política monetária sobre a política fiscal, uma vez que esta ideia é defendida nos centros de pesquisa em economia com maior prestígio e com maiores financiamentos no mundo. Uma outra possível explicação é a possibilidade de sanções por parte dos investidores internacionais, que podem não enxergar com bons olhos uma política fiscal expansionista e migrar o capital para ambientes mais “amigáveis”.

Em suma, ainda que existam diferentes teorias dentro da economia, a prevalência de uma sobre outras como mais influente nas políticas econômicas encontra razões que não necessariamente tem a ver com a superioridade explicativa. Fato é que de tempos em tempos essas convenções macroeconômicas sofrem modificações, e impactam diretamente a forma de se fazer política no mundo. Resta saber se estamos num desses momentos, e qual posição assumiremos nesta dinâmica global.

 

Referências

DAVID, P. Clio and the economics of QWERTY. The American Economic Review. Vol. 75, n. 2, 1985.

DEQUECH, D. Is money a convention and/or a creature of the state? The convention of acceptability, the state, contracts, and taxes. Journal of Post Keynesian Economics, v. 36, n. 2. p. 251-274, 2013

LARA RESENDE, A. Consenso e Contrassenso: déficit, dívida e previdência. Casa das Garças, 2019. Disponível em: <http://iepecdg.com.br/wp-content/uploads/2019/02/Consensoecontrasenso.docx…pdf>

ORLÉAN, A. The Empire of Value. Massachussets: The MIT Press, 2014.

[1] Essa definição é proposta por Dequech (2013).

 

Thomáz Ortiz é economista, mestre pela Unicamp.

 

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